Não tenho tempo. Não para me preocupar com o modo de como aconteceu. É o que é. Somos geneticamente modificados para parar de envelhecer aos 25. O problema é que só vivemos mais um ano, a menos que conseguimos mais tempo. Tempo agora é a nossa moeda. Nós o ganhamos e o gastamos. Os ricos podem viver para sempre. Já o resto de nós? Só quero acordar com mais tempo na mão do que horas no dia.
—Will Salas
Imagine acordar amanhã e ver um relógio piscando no seu pulso: 23:59:59. Esse é o seu saldo de vida. Cada passo, cada respiro, cada segundo de hesitação o diminui. Para comprar um café? 2 minutos. Pegar um ônibus? 1 hora. Sobreviver outro dia? Exige o tempo dos outros. Este é o mundo distópico do filme "O Preço do Amanhã” (2011), um filme que vai muito além da ficção científica ele reflete nossas próprias obsessões e injustiças.
Para quem não conhece: Dirigido por Andrew Niccol, o mesmo de “O Senhor das Armas” e “O Show de Truman”, o filme se passa num futuro onde as pessoas param de envelhecer aos 25 anos. Só que a partir dessa idade, cada ser humano tem apenas um ano de vida. Esse tempo é seu saldo bancário, você trabalha para "ganhar" horas e dias (adicionados ao relógio biológico no pulso), e gasta tempo para tudo, do pão ao transporte. Will Salas (Justin Timberlake) é um dos que lutam no gueto, até que um evento radical o coloca contra o sistema que controla o tempo.
"Não tenho tempo. Não para me preocupar com o modo de como aconteceu. É o que é. Tempo agora é a nossa moeda. Nós o ganhamos e o gastamos. Os ricos podem viver para sempre. E o resto de nós? Só quero acordar com mais tempo na mão do que horas no dia."
Essa frase do protagonista (Will Salas) não fala apenas de um futuro distópico. Ele fala da gente, da nossa pressa moderna, do cansaço de viver só para sobreviver. A essência do capitalismo: a mercantilização da própria existência. Se hoje trocamos horas de vida por dinheiro para sobreviver, no filme troca-se tempo por tempo. A lógica é a mesma, o valor da vida humana é reduzido a apenas uma unidade de troca. O desejo de Will não é por riqueza, mas sim por tempo para respirar, para viver além da mera sobrevivência. Tempo de um sistema criado para que o tempo continue escasso. Para que as pessoas morram mais cedo, para que assim poucos vivam para sempre. Parece familiar?
"Mas chega o dia que você não aguenta mais. A mente pode se cansar, mesmo que o corpo não se canse. Nós queremos morrer. Precisamos morrer. É esse o seu problema? Viveu demais?"
Esse diálogo entre Will e Henry Hamilton(um homem que tem um século no relógio) expõe algo que todos nós já sabemos, a imortalidade física sem propósito ou dignidade, é um inferno. Qual o sentido de viver séculos sob opressão, observando a desigualdade devorar os outros? Qual o sentido de viver uma vida sem aproveitar o máximo dela? Os ricos não envelhecem, mas ainda sim pode sofrer ferimentos e morrer. Então eles vivem com medo.
Uma ironia, os mais ricos, os donos do tempo, tornam-se prisioneiros dele. Eles têm medo de arriscar, medo de morrer. Vivem de forma calculada, sem pressa, mas também sem paixão. Enquanto isso os pobres vivem como se cada segundo fosse o último. Até porque talvez seja mesmo.
Fora da ficção, vivemos em um mundo em que “cansado” virou o estado padrão. Mas é um cansaço que do corpo e, da mente saturada. De listas de tarefas. Notificações. Cobranças invisíveis. Da correria que faz você esquecer para onde está indo. O maior desejo é simplesmente parar. Respirar. Não somos máquinas que nunca quebram.
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"Para que alguns sejam imortais, muitos devem morrer. Nem todos podem viver para sempre, não há lugar. Por que acha que temos os fusos horários? Por que acha que os impostos e preços sobem dia após dia no gueto? O custo de vida sobe para que as pessoas continuem morrendo. Assim, alguns têm milhões de anos e a maioria, apenas um dia. Mas a verdade e que há mais do que o suficiente. Ninguém tem que morrer antes do tempo."
Agora chegamos na denúncia, o sistema é projetado para matar. Os "fusos horários" ( zonas com uma elite ou uma classe social). São uma forma de separar a população, quanto mais rico você é, mais tempo você tem, e mais longe você mora do gueto. Além dos fusos horários, você tem a inflação e os impostos. O preço de tudo no gueto aumenta constantemente, porque isso mata as pessoas. Elas vivem com 24 horas no braço, no limite, como zumbis com hora marcada. E toda essa escassez de tempo é fabricada para sustentar a elite. É uma metáfora perfeita para a concentração de riqueza e poder em nosso mundo: a abundância existe, mas é deliberadamente negada à maioria para sustentar o privilégio de poucos. A morte precoce não é acidente; é política.
"Se você tivesse tanto tempo quanto eu no seu relógio, o que faria com ele?"
"Eu deixaria de olhar para ele... com certeza eu não desperdiçaria."
Will no final entende que verdadeiro luxo não é acumular séculos, mas sim deixar de ser escravo do cronômetro. É viver sem o pânico constante da contagem regressiva. No fundo o que o filme está dizendo é: quando você tem demais você perde a urgência. Mas quando você tem de menos você perde a vida tentando não morrer. Ambos os extremos são prisões.
Apesar de "O Preço do Amanhã" não ser aclamado pela crítica, e se perder na sua história. Ele atormenta quem assiste porque mostra dilemas que já vivemos.
Vivemos sob o culto à produtividade. "Tempo é dinheiro" não é só uma metáfora, é uma pressão constante. Nosso "relógio mental" sempre corre.
Escassez: Em um mundo de abundância, milhões passam fome. A riqueza existe, mas é canalizada para poucos.
O Cansaço Existencial: Mesmo que a nossa expectativa de vida tenha aumentado, epidemias de depressão e burnout mostram que a mente pode se cansar, mesmo em corpos "jovens"
O filme não é sobre o futuro, é sobre o presente. A monetização da vida, a naturalização da morte precoce dos pobres e a ilusão de que acumular recursos sem combater o sistema que os concentra trará liberdade.
Você não precisa ter um relógio bioluminescente no pulso para perceber que o tempo está sendo roubado de você.
Uma jornada exaustiva de trabalho.
A cada notificação inútil.
A cada “depois eu faço”
A gente já tem pouco tempo, então temos que decidir onde investir a nossa energia. No que importa. No que te faz rir, chorar, sentir. Tudo o que temos é o agora. E talvez o amanhã seja um luxo que só exista para quem honra o hoje.
Chegamos ao fim de mais uma breve reflexão. Compartilhe com alguém que possa se interessar. E considere se inscrever para não perder nenhuma nova publicação.
Agradeço a todos que leram até o final.♥
Abraços, Leoni
Que saudade de ti! ❤️
Amei o texto querido, obrigada por trazer mais cunho reflexivo sobre filmes! Sério, amo ver sua didática escrita
Amo esse filme 🤍