O essencial é ser humano.
Há livros que instalam na nossa alma. E o Pequeno Príncipe é um deles, à primeira vista ele é uma história infantil: um garotinho de cabelos dourados, uma rosa vaidosa, um avião caído no deserto. Mas basta uma segunda leitura para perceber que ali repousa uma anatomia da alma humana. Escondida sob aquarelas está a profundidade de um mergulho existencial.
Mas antes de começarmos o mergulho sob este maravilhoso livro, muito obrigado a Nicolle York por ter me dado a ideia de escrever uma newsletter sobre essa obra maravilhosa♥
A história começa com um avião quebrado no deserto, um piloto perdido e um menino que surge do nada pedindo pra que ele desenhasse um carneiro. Esse encontro improvável é a primeira metáfora da nossa jornada existencial: estamos todos de certa forma perdidos nos nossos próprios desertos. Carregamos solidões, perguntas não respondidas e medos petrificados. E a solidão como no deserto nos força a confrontar perguntas que evitamos no barulho do cotidiano.
A jornada do pequeno príncipe de planeta em planeta, encontrado figuras como o rei sem súditos, o bêbado envergonhado e o homem de negócios que conta estrelas, é uma sátira a cegueira dos adultos. Saint-Exupéry critica nossa obsessão por números, títulos e eficiência. O homem de negócios por exemplo, acredita possuir as estrelas porque as conta, mas ele não sabe o que fazer com elas. Quantos de nós não nos reconhecemos aqui? Quantas vezes trocamos o sentido pela contagem, a profundidade pela produtividade?
O Pequeno Príncipe não tem medo das suas perguntas ingênuas. Ele questiona as rosas, os vulcões, os baobás, e principalmente os "adultos sérios" que esqueceram como olhar. Aqui Saint-Exupéry nos cutuca novamente: Quantas vezes trocamos nossa curiosidade por certezas? Quantas vezes preferimos a segurança das respostas à beleza arriscada das dúvidas?
O essencial e invisível aos olhos.
"O essencial é invisível aos olhos.” Talvez essa seja a frase mais famosa da obra, e com razão. Em uma era de métricas, de filtros e das postagens selecionadas, essa frase é como um tapa doce na cara. O ser humano, no fundo, é um exercício de ver além. De olhar o mundo com os olhos de um poeta, de uma criança, de quem ainda acredita que há beleza onde ninguém mais enxerga. Nós somos treinados para ver números, status, desempenho. Mas o que realmente nos molda são as pequenas gentilezas, os olhares que compartilhamos, os silêncios compreendidos. Aquilo que não podemos medir, mas que podemos sentir. A raposa, talvez a personagem mais sabia do livro, ensina o principezinho o segredo do "cativar". Para criar laços é preciso tempo, paciência e disposição de se deixar marcar pelo outro.
“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”
Essa frase não fala apenas de amor ou amizade, ela nos mostra a essência da humanidade: somos feitos de vínculos frágeis. Cada relação que cultivamos, mesmo que termine em despedida, nos transforma. Choramos quando eles partem não porque somos fracos, mas porque ousamos criar um significado em um universo que cientificamente não precisa de nenhum.
Vivemos na era dos vínculos frágeis, seguimos centenas de pessoas, mas falamos com dezenas, não conhecemos quase ninguém. Temos contatos mas poucas conexões. A raposa nos lembra que ser humano é investir tempo, criar rituais, ser presente. Cativar é dedicar tempo. É criar laços. É deixar o outro entrar devagarinho na nossa existência até que ele se torne parte do que nós somos. Não há atalhos para isso. Não se pode pular etapas.
Nessa avalanche de ruído, o Pequeno Príncipe nos convida a enxergar com o coração. A reaprender a ternura. A desacelerar para entender que, como ele mesmo diz, "as pessoas grandes nunca entendem nada sozinhas".
A fragilidade do amor.
A rosa do pequeno príncipe é frágil, vaidosa e exigente. Ela nos mostra algo incômodo: amar é dedicar tempo à imperfeição. A rosa, com seus espinhos, é amada porque é única. Porque o Príncipe a regou, a protegeu, a ouviu mesmo quando ela era difícil de amar. Ela que faz ele entender o amor. O príncipe abandona ela porque não entende o seu valor. Apenas no exílio entre os astros é que ele percebe que a sua rosa, entre todas, era única porque ela havia sido regada, protegida e escutada. O amor não é aquilo que simplesmente aparece. É aquilo que a gente cultiva dia após dia, mesmo com espinhos.
Ser humano é exatamente isso. É amar sabendo que o outro vai falhar. É cuidar do que é frágil, não porque é fácil, mas porque é precioso. "Foi o tempo que perdeste com tua rosa que a fez tão importante", diz a raposa. Saint-Exupéry revela: o amor não é perfeição, é escolha.
Quantos relacionamentos abandonamos porque esperávamos rosas sem espinhos? Quantas vezes confundimos amor com conveniência, esquecemos que o verdadeiro vínculo nasce da paciência e da vulnerabilidade?
O encontro com o aviador.
O aviador, narrador da história é um adulto que ainda guarda fragmentos de criança. Ele desenha um elefante engolido por uma jiboia, mas os adultos veem apenas um chapéu. Quantas vezes silenciamos nossa criatividade, nossa intuição, para nos adaptarmos ao "mundo sério"?
Crescer não significa esquecer.
Quando o pequeno príncipe chega à Terra, ele não encontra glória, nem acolhimento imediato. Ele encontra um deserto cheio de espaço e solidão. E é ali, no meio do nada, que ele encontra o tudo. O deserto reflete o deserto interior que todo ser humano atravessa em algum momento da vida, quando tudo parece estar sem sentido, quando os laços se rompem, quando a solidão ecoa mais. E mesmo assim ali nascem revelações. Somos criaturas feitas de perguntas e não de respostas. E a Terra com seus mistérios e com suas raposas nos convida a reaprender a ver.
No final o príncipe retorna ao seu asteroide ou não. A sua partida é bem ambígua, assim como tudo que é profundo. Mas eles nos deixa uma pergunta: "O essencial é invisível aos olhos". O que é essencial para você hoje?
Se há algo que o livro repete incansavelmente é a crítica ao olhar sério dos adultos. Eles não entendem desenhos. Só se interessam por números. Não enxergam elefantes dentro de jiboias veem chapéus. E o pior, acham isso normal. Saint-Exupéry nos desafia a resgatar a nossa criança, aquela que sabia conversar com flores e desconfiava dos números. Em um mundo de respostas rápidas e certezas absolutas, O Pequeno Príncipe é um manual a favor das perguntas lentas, da dúvida que noz faz humanos e da coragem de amar mesmo sabendo que um dia poderemos chorar pela partida de uma rosa.
O que é ser humano?
Ser humano é errar, é ser incompleto, é buscar sentido, é amar e sentir medo. É chorar diante de uma flor que murcha, rir de uma estrela que sorri no céu, esperar um pôr do sol para esquecer a saudade. E a maior ousadia seja essa: manter o coração aberto em um mundo que tantas vezes tenta endurecê-lo.
Ser humano é lembrar. Lembrar das nossas dores, lembrar do que fomos, do que sentimos. Lembrar de tudo aquilo que nos tocou, nos fez chorar. Lembrar que existe beleza na dor, que há amor na ausência, que há poesia até no mais profundo silêncio. Lembrar que não somos máquinas de produzir, mas seres que sentem, sonham e se encantam.
Nunca se esqueça de como é bonito ser humano.
Chegamos ao fim de mais uma pequena reflexão. Compartilhe com alguém que possa se interessar. E considere se inscrever para não perder nenhuma nova publicação.
Agradeço a todos que leram até o final♥
Abraços, Leoni
“As pessoas grandes nunca compreendem nada sozinhas, e é cansativo, para as crianças, ter que lhes explicar tudo, toda hora.”
Essa frase sempre ecoou dentro de mim como uma verdade silenciosa — uma que eu sentia na pele antes mesmo de entender o que significava. Fui uma criança que nunca se encaixou nos moldes esperados, incompreendida tanto por outras crianças quanto, principalmente, pelos adultos. Meu olhar era diferente, minha sensibilidade mais intensa, e o mundo me parecia sempre mais vasto, mais sutil, mais cheio de perguntas do que de respostas. O Pequeno Príncipe foi meu primeiro abrigo literário, meu espelho secreto. Foi o livro que me ensinou que o invisível tem mais peso que o visível, que o essencial mora no que os olhos não alcançam. Mais do que isso, ele me mostrou que ser humano de verdade é um exercício de escuta, de empatia e de poesia. Ler seu artigo, Leo, foi como revisitar essa memória afetiva — um lembrete delicado de que, apesar do ruído do mundo, há ainda quem se lembre da importância de ser essencialmente…humano. Obrigada por esse respiro.
Cresci lendo esse livro é só depois de grande consegui entender o peso que ele carregava, e acho muito engraçado como muitas obras são assim, Alice no país das maravilhas também é um filme que te coloca pra pensar muita das vezes, mas tem um exemplo em particular que eu amo muito, Hora de aventura é um desenho que retrata tantos tópicos sensíveis que eu fiquei chocada quando reassisti e comecei a entender todas as mensagens que quando mais nova pareciam apenas cenas de um desenho bobo.